Wednesday, November 19, 2014

Um conto. A catástrofe.


Como paizão moderno, Seu Antônio há muito havia trocado o jornal pelo celular na hora de ler as notícias pela manhã. Quem convenceu foi o filho Ricardo, que é todo certinho e metido a ambientalista; no fim, a esposa também gostou do espaço economizado e não ter aqueles papelões cheios de notícia ruim espalhados pela casa.
 Numa manhã qualquer, dessas que nem se sente, de tão absolutamente igual as outras, Seu Ricardo pegou o celular, seu mais novo companheiro, (tinha até o gatinho virtual), desenhou na tela o padrão que desbloqueia o aparelho e abriu seu aplicativo de notícias preferido, mas ao ver a notícia em destaque, seu coração parou: "Bruna Marquezine aposta em mini-saia para ir ao shopping". Tremendo, deixou o aparelho cair sobre a mesa com um baque. Sua mulher, D. Sônia que estava passando o café, ao ouvir o som do aparelho caindo sobre a mesa de madeira, se virou e encontrou o marido atônito, com lágrimas nos olhos, branco como leite e tremendo. "O que foi amor?" (mesmo depois de 37 anos de casados, os dois ainda se chamavam de amor).

 Ele lentamente olhou para ela. Não sabia o que dizer. Não sabia como falar aquilo, então, virou seu smartphone companheiro para ela que então leu: "Bruna Marquezine aposta em mini-saia para ir ao shopping". Deixou cair a garrafa térmica e o café quente espalhou-se pelo chão, fumaçando e enchendo a casa com aquele cheiro típico das manhãs. Sônia, sempre mais calma, correu em direção ao marido e o abraçou. Soluçou baixinho, mas jamais deixaria transparecer que estava desesperada, que queria correr, que queria se proteger. O marido tremia, mas fora isso não esboçava nenhuma reação, até que, num salto, agarrou-a pelo braço e correu para a sala, onde ligaram a televisão. Como era de se imaginar, lá estava um repórter, com aspecto abatido, dizendo com toda a seriedade que a situação necessitava "Estamos ao vivo de Brasília para confirmar a informação de que Bruna Marquezine apostou em uma mini-saia para ir ao shopping, repetimos, Bruna Marquezine foi de minissaia a um shopping, pedimos a população que mantenha a calma, o governo já acionou o exército e está fazendo tudo o que pode para controlar a situação". 

 Neste momento o filho mais velho, Roberto, desceu as escadas apressado, ainda vestido com as roupas de dormir, perguntou "vocês já viram?" de mãos dadas, bastou um olhar para que os dois o respondessem. O pai sempre criticou o filho, por não ter saído da casa dos pais, mesmo com 34 anos, mas neste momento, Antônio deu graças a deus que ele estivesse ali. Pais e filho se abraçaram e ficaram assim por um tempo. O único som era o da televisão que transmitia baixinho o escarcéu nas ruas. 

 O som dos carros partindo em disparada, pessoas correndo e gritando, o repórter na televisão estava emocionado "este é o momento de abraçar os seus queridos e dizer o quanto vocês os amam" e era isso que a família Souza fazia inconscientemente. Eles estavam abraçados chorando baixinho. Do lado de fora gritos de pânico, barulhos de freio, tiros, helicópteros em revoada. 

Foi então que Antônio foi afrouxando o laço, aos poucos, foi se soltando e olhando para o nada ele proferiu as palavras, como se elas não significassem nada: "a arma" ele disse. O filho e a mãe se olharam, mas não houve pavor. Sônia, tocando o braço do Marido perguntou "você tem certeza? A gente pode sair dessa, o governo está agindo, talvez não seja tarde demais". Antônio, olhando-a com compaixão, vendo toda a beleza de sua mulher, mesmo mais cheinha, com rugas ao redor dos olhos, ela, a mulher que o conquistou, ainda estava lá. Sentiu felicidade. Se sentiu realizado. A mulher dos seus sonhos estava com ele neste momento. O filho mais velho, não saiu de casa, era meio galinha, mas era respeitado no trabalho, era um cara gente boa. O mais novo morava no Canadá, tinha uma mulher linda e duas filhas. Olhando para Sônia, ele disse "não há o que fazer. Bruna Marquezine apostou em uma minissaia para ir ao shopping. Não há nada que nós possamos fazer, não há nada que o governo possa fazer, não há outra saída". Ele disse isso sorrindo.

Os três subiram as escadas, foram até o quarto e o barulho de três disparos consecutivos foi a última coisa que se ouviu da casa dos Souza desde então. 

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