Wednesday, September 04, 2013

PICOLÉ PRETO E BRANCO


Como todas as histórias merecem um final feliz, decidi terminar um dia ruim com um picolé de chocolate branco que vem com chocolate preto por dentro, desses que te fazem chorar de gordura trans e amores perdidos. Enquanto apreciava meu inocente picolé, eis que um fiat prata para do meu lado e um coroa rechonchudo bota o pau pra fora, balança e diz “aqui uma coisa melhor pra tu chupar”.

 O carro sai em disparada.
 A vida se torna um filme deprimente, empoeirado e em preto e branco, os carros passam em câmera lenta, pessoas raivosas buzinam, crianças passam fome na África. De repente estou ciente do quão miserável é esta vida. Todos os meus poros pedem socorro, a vida grita, me estapeia. Choro pela humanidade, pelo coroa e por todas as pessoas que aceitaram a oferta de chupar aquele pau que não era DE FORMA ALGUMA melhor do que o meu picolé de chocolate preto e branco. Nada no mundo é melhor do que aquele picolé de chocolate preto e branco.

 Tudo isso se passou num delay de três segundos, percebo que: 1) Pelo trânsito talvez eu consiga encontrar o desgraçado e dizer umas verdades, mandar uns “sifudê”, mas pra quê? Decido pensar sobre isso depois e 2) não tenho mais nenhuma vontade de continuar aquele picolé de chocolate preto e branco. Me senti traído, abandonado. Como um coroa filhodaputa consegue acabar em cinco segundos com a melhor coisa que havia me acontecido num dia terrível que só de trabalho já durava 12 horas?

Apresso o passo e sigo em frente em busca do fiat prata, ele já devia estar bem mais na frente então começo a correr. Mil palavras passando na minha cabeça, metade delas adjetivos pejorativos para denegrir o pau que me foi ofertado em comparação com meu ex picolé de amor; até um pau decente, diga-se de passagem, não precisa ser viado para apreciar as características que separam um pau de um cacetem por exemplo, mas ninguém deve balançar um pau e alegar ser melhor que a porra de um picolé perfeito. A outra metade das palavras eram bem bonitas, tipo TCC, pensei em fazer um discurso aprovado pela ABNT, fazer as pessoas me aplaudirem, todos os passageiros de  todos os ônibus aplaudindo tamanha eloquência e chorando pelo picolé de chocopretobranco perdido. Policiais e ladrões em comunhão, judeus e muçulmanos finalmente concordando em discordar e seguir em frente, imperando a paz. Apresso o passo mais ainda, decidido a fazer daquele o meu momento, quando noto uma comoção mais na frente, uma aglomeração de pessoas, sirenes, luzes coloridas no meu filme P&B
 

Um fiat prata estava capotado e amassado em cima do passeio. Pessoas filmando e tirando fotos, ninguém ajudando. Preso nas ferragens, ensanguentado e com um olhar assustado um coroa rechonchudo, com sangue na testa, nos olhos e uma porra de uma fratura exposta no ombro. Me olhou com olhar de súplica, me reconheceu, senti em um olhar o perdão e o medo. A quase certeza de que a vida, a partir dali, deveria mudar. Senti todas a vergonha que um ser humano poderia sentir na vida. Senti um pedido de socorro, assustado, virei na outra esquina e parei no ponto de ônibus. Tremendo dos pés a cabeça percebi que talvez nunca mais na vida eu compre um picolé de chocolate preto e branco. 

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