Tuesday, August 06, 2013

BARRIGA


O mundo ao ser redor ruía e ele só pensava na barriga.
A barriga e a barriga.
 E tinha vergonha, pois sabia, que no mundo que ruía, muita gente passava fome e queria mais era ter  ter barriga, buxo, banha, gordura. Contava a porcentagem de gordura e pensava nas pessoas que tinham 0% de gordura a contragosto e nas pessoas que carregavam peso a contragosto e todas as pessoas que passavam fome a contragosto, mas não podia evitar, era sempre a barriga e a barriga.

É que as palavras ditas deixam marca de ferro em brasa na alma da gente.
As coisas que dizem ficam para sempre rodando na nossa cabeça, mesmo que a gente não tenha mais barriga e as coisas tenham mudado. Mas normalmente as pessoas ficam neste narcisismo aos inversos, onde tudo é feio quando é espelho, e tudo é bonito fora de nós, até mesmo barriga, barriga, barriga, que tem gente que combina, mas a gente não, por que além de barriga tem perna fina, pé torto e um vazio por dentro, que não, não é Jesus, nem é cachaça.

As palavras ditas, malditas palavras ditas! O mundo está caindo aos pedaços e as torres estão se rompendo, mas a gente só quer menos barriga, menos, bem menos e barriga negativa que é gado, gado magro, gado da seca. A gente paga caro para não comer, paga caro para fazer trabalho braçal que não dá em nada, tudo por causa da maldita palavra dita.

Nunca esqueço. Ele disse que se fose feio como eu, pularia da janela. Eu pensei em pular, mas não pulei. Mas a partir dai foi só dor e barriga.

E você deixa de fazer as coisas que sabe que quer fazer por que você não pode ser você. Você tem que ser alguém que está na TV, senão não vale a pena, não tem pra quê.

Então ele chorou. Pelas decisões que foram todas erradas, adiadas ou precipitadas. Equivocadas, prejudicadas pela presença de duas dezenas de porcentual de gordura no corpo, derretido, esparramado, espalhado por cima de nada nem ninguém. Sozinho ele. Sozinho ele e a barriga, sozinho ele e os coelhos brancos, sozinho em fuga, sozinhozinho bem pequenininho com as perninhas de gravetinho e a barriga que já caia por sobre o morro onde se escondeu, a barriga e a barriga.

Chorou de vergonha, de solidão, de amor perdido e de fome.
Chorou e foi sumindo, sumindo,
Chorou e foi virando barriga,
Para o mundo todo barriga e só barriga e só.
Foi virando barriga que foi virando pó e foi sumindo.
Sumiu num vento que deu em setembro, quando a chuva finalmente parou.

Sumiu e nunca mais foi barriga, nunca mais foi matéria e ao pó voltou.

* São meus o texto, o desenho, a barriga e o drama.

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