Tuesday, April 16, 2013

PERDI A ALMA PERGUNTE-ME COMO

Tava na internet olhando qualquer merda quando um post me chamou atenção. Era uma montagem dividida em duas partes, uma barra com o Clodovil e uma barra como deputado federal Jean Willys. A imagem afirmava que existia uma diferença entre homossexual e “gayzista”, sendo o finado Clodovil Homossexual e o deputado ativista o “gayzista”.

A imagem trazia diferenciações entre os dois, afirmando (não dei de onde) que Clodovil como bom homossexual, baixava a cabeça e sabia da “dominância heterossexual”, que reconhecia que ser gay era um pecado. No outro lado dizia que Jean Willys pretendia acabar com a heterossexualidade, que pretendia destruir a “família tradicional brasileira”, que não aceitava ser questionado , só se fazia de vítima e um pequeno texto embaixo afirmava que ele ( o deputado) é promiscuo e não faz nada.

Como o autor do post afirma que Jean não gosta de ser questionado, acendi um cigarro e fui questionar. As pessoas não sabem muito bem o que é “questionar”. Veja: Ofender uma pessoa e dizer que ela é o diabo e que vai matar todos nós, não é questionar, é ofender.

Fiz uma pequena clipagem com matérias que eu havia visto que mostravam que Jean Willys é um dos deputados mais atuantes na câmara e que a chamada “bandaca evangélica” era a mais faltosa.

Logo os tais adeptos do questionamento me execraram, me chamaram de demônio, de ladrão, de bicha, maconheiro (tirando o ladrão, não me ofendo, mas nunca roubei nem bom bom das americanas, exijo respeito). Não entendi. Falei mais uma vez, com toda a calma, que eu só estava questionando e que eles alegaram que o deputado não tolerava ser questionado. Eles então disseram estar sendo vítimas de preconceito religioso e que iam orar por mim. Agradeci, pedi que orassem para que eu ganhe uma grana, pois a moça do cartão já havia me ligado três vezes, cada uma delas com um valor superior ao passado.

Pouco tempo depois, meu Facebook estava repleto de notificações, mensagens, todas afirmando que eu deveria pedir perdão a Deus, que eu iria para o inferno, alguns alegaram que eu era promiscuo, adepto do sexo grupal (somos sigilosos, não sei como descobriram isso), uma pessoa disse que eu deveria morrer, coro que foi engrossado depois, por pessoas que diziam que seria o mais justo. Por fim uma pessoa disse que fosse na igreja “Deus é amor” e que ele iria me curar. Ri da ironia e fui dormir.

No dia seguinte o também deputado, comediante e designer de sobrancelhas Marco Feliciano apareceu em um vídeo afirmando nada mais nada menos que Deus matou John Lennon. Cuidado: Deus é onipresente, onipotente e anda armado! (se eu morrer, se convertam irmãos!).

Por que diabos Deus mataria John Lennon? O cara era bom! Ele pregava a paz, a igualdade! Ok, ele falou que os Beatles eram mais famosos do que Jesus, pegou pesado, mas, se pensarmos bem, os Beatles fazem sucesso até hoje em países islâmicos ou judaicos, então, em números, talvez eles sejam. Então lembrei que essas pessoas não acreditam em números.

Felicias voltou a atacar de novo e de novo e de repente as pessoas haviam formado lados. Os que eram contra e a favor do deputado, sendo que: Ninguém é a favor dele exatamente, mas, se você não quer dar a bunda, logo teria que apoiá-lo, visto que essas pessoas também não acreditam em meio termo.

Um certo dia eu vi um post louvando ao senhor Deus (o que anda armado) pela conquista da Comissão de Direitos Humanos e minorias. O Post deixava Claro que Deus (o que matou John Lennon) havia enviado Marco Felicias para salvar e proteger a família brasileira (na base da bala, acredito eu – Talvez Deus seja alagoano). Os evangélicos agradeciam, glorificavam e havia coros de transformar o Brasil numa “Jeuscracia”. O termo me doeu tanto que fui ao médico fazer um check up, suspeitei que estava com câncer.

A cada novo ataque de Felicias, minha saúde, minhas noites de sono, minha prática sexual e ética de trabalho eram afetadas. Não sou do tipo que fica calado quando vê uma injustiça! Vi um post que dizia que gays faziam suruba. Ora! Dizer que só gays fazem suruba é muita inocência ou hipocrisia ou os dois! Ou talvez os caras sejam tão chatos que nunca tenham sido convidados para uma, quem sabe com um pouco mais de amor no coração.

Felicias disse que só saia morto, mandou fechar a comissão de direitos humanos e eles oraram lá dentro, fizeram um culto, os humanos do nome da comissão tiveram que ficar do lado de fora, com cartazes e a humilhação de saber que não estavam sendo representados e sim impedidos de lutar naquilo que acreditam.

Liguei para um amigo advogado:
“Posso processar o governo ou a câmara dos Deputados pelas coisas que o Feliciano fala? Tipo calúnia e difamação, incitação ao ódio, essas coisas?”

“Cara, acho que não. Vou analisar. Acho que não a câmara, eles não se responsabilizariam, talvez você possa processar o próprio Feliciano”.

“Jura?”

“Pô, acho que dá, mas não sei se tu ganha. O cara não saiu de lá ainda, talvez, só se tu vender a tua alma para o diabo”.

Aquelas palavras ficaram ecoando na minha cabeça. Vender a alma para o diabo. Olha as pessoas proclamadas “de Deus” estavam numa maldade e numa crueldade tão grande que não me pareceu má idéia.

No ataque mais recente de Tio Felicio, ele afirmou que católicos adoram o demônio e entregam o corpo a prostituição. Malafaia em outro canal destilava seu veneno sobre todo tipo de gente. Joelma da Banda Calypso estava num outro canal, afirmando não ter preconceito mas ser contra, lema de uma nova geração que não acredita no que diz.

Semanas antes, Daniela Mercury se assumia homossexual e contou estar casada com uma mulher. Foi destaque na mídia nacional que parabenizou a cantora. Mas no golpe inesperado, fefê virou o jogo. Afirmou que só saia da comissão se José Genoino e João Paulo Cunha saíssem da comissão de constituição e justiça. Ele vencera. Não havia o que dizer. Não fazia sentido algum que estes dois pudessem falar sobre justiça, é o mesmo que Feliciano falando de direitos humanos, ou seja: O errado ficou pelo errado e o povo brasileiro mais uma vez, tomou no cu (mesmo sem ser gay)

Dei início a uma pesquisa sobre como vender então minha alma para o lá de baixo. A maioria dos sites não me parecia confiável e não é como se você soubesse de alguém que conhecesse alguém que conhecesse que faz a entrega para o cramunhão como se fosse um creminho da natura.

Descobri depois de um tempo, através de um papel colado num poste um pai de santo desses que faz trabalhos e traz a pessoa amada em três dias. Liguei e marquei de ir ao local. Chegando lá encontrei um cidadão distinto vestido de branco, ao me olhar, ele perguntou se era problema no amor, se eu havia perdido alguém. Agradeci a preocupação, mas contei que estava querendo vender minha alma ao diabo. Ele pediu educadamente que eu me retirasse e não voltasse mais lá. Preconceito meu achar que ele resolveria isso.

Estava quase desistindo quando lembrei que ainda tinha uma conta no Orkut. E se você não achar no Orkut, você não acha mais em canto nenhum e sim! Encontrei.

Havia um cara no outro estado que dizia poder mediar o pacto. Havia um post onde até as formas de pagamento pelo serviço estavam explicitadas. Arrumei minhas malas e fui.

O lugar era numa borracharia dessas de beira de estrada. Do lado tinha uma churrascaria com umas galinhas e uns gansos que andavam pelo quintal, junto aos cliente que comiam asinhas de galinha e pareciam não se importar com a origem do petisco.

Entrei e perguntei por Seu Haroldo. Um senhor barrigudo e sujo de graça se apresentou. Era ele. Me levou para uma parte mais atrás da borracharia, uma espécie de escritório, tinha um computador velho com Windows 98 (o melhor) e um jogo de paciência pela metade. Ele falou um pouco do tempo, enrolou e então disse “vamos aos negócios”. O procedimento era simples e bem rock’n’ roll. A coisa toda da encruzilhada existia você deixava umas coisas, buscava outras muitas aventuras. Perguntei claro, se era verdade que a Xuxa tinha um pacto. Ele disse que não, que quando essas coisas são bem feitas ninguém jamais fica sabendo, mas ele me garantiu que algumas celebridades tem sim, inclusive alguns fizeram com ele. Perguntei se algum político alagoano já tinha feito. Ele me disse que com esses ai, nem o fut queria conversa. Rimos muito.

Ele me falou de novo que não é nada fácil que leva tempo e perguntou se eu tinha certeza. “Posso falar com ele antes?”
“Com ele quem?”
“Com ele!”
“Com o diabo?”
“Sim! Lúcifer, sei lá”
“Claro que não! Nem eu falei com ele”
“Dai todo mundo vai assim sem saber o lado dele e tal?”
“É ué! Se tu já viesse até aqui, tá sabendo no que tá se metendo”.

Decidi seguir em frente. Falei tudo. Falei que não aguentava mais. Antigamente, até uns anos atrás tinham evangélicos e tínhamos nós. Nenhum gostava do outro, mas a gente vivia. Não se misturava e tinham os casos excessivos de violência e tudo o mais, mas não era como hoje. Hoje a gente tem que definir bem um lado e a guerra foi declarada, pois o lado de lá não consegue superar que: O casamento gay e a adoção por casais homossexuais já existem há séculos e só queremos deixar as coisas mais claras. Ninguém quer que eles parem de ser crentes e virem gays. Na verdade, nós só queremos que cada um vá para o seu lado. Eu não estou nem ai para a família dos outros, mas, dizer que casamento gay afeta a “família tradicional” onde papai tem duas putas, mamãe dá pro personal trainer, a irmã cheira pó e ninguém lembra de botar comida pro cachorro é muita hipocrisia.

Seu Haroldo concordou e me disse, “filho, não se aperreie não que isso acaba já. Já teve gente como você aqui antes, e eu não deixei. Já vencemos essse argumento de que diz na bíblia antes, quando demos direitos iguais para negros e para mulheres e vamos vencer de novo agora. Algumas coisas nunca mudam e isso é a babaquice do povo”. Era verdade.

“Cabra, pense direito, se tu fizer isso, pode ser que amanhã esse doido saia na base do tapa e tu se perdeu por esse lado”.

Fiquei surpreso pelo diabo ser mais compreensível do que o crente que entrega santinho no meu ponto de ônibus de manhã.

Tomei uma com seu Haroldo e voltei para casa com a alma intacta e a certeza de que muita luta ainda viria pela frente. E que de certa forma estamos vencendo. Se tudo isso está sendo discutido tão amplamente é porque conseguimos um espaço que antes nos era negado. Talvez em breve até sejamos iguais. É perceptível que todo preconceito tem origem na religião e que portanto, só daqui a milênios sejamos totalmente livres em pensamento. (se chegarmos lá).

Enquanto não dá, vou respeitando, mas, assustando quem passa do ponto no fundamentalismo contando a história de seu Haroldo e aumentando um pontinho aqui e ali. Perco a alma, mas não perco a rebeldia!

Cai fora Feliciano! Já desse o que tinha que dar.

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