Sunday, April 07, 2013

CAROÇO

Foi durante um banho, desses mais demorados que a gente toma depois de um dia de trabalho com direito a hora extra e prejuízos nos projetos, desses dias que te culpam por algo que tu não tem nada a ver. Foi durante o banho, passando o sabonete bem devagar, com os olhos fechados e o saco cheio. Tomo banho quente só em dias assim, algo na água quente me faz pensar que eu estou lavando esse dia horrível embora. Mas esse dia horrível ainda não tinha acabado.

Foi durante o banho que eu senti um carocinho num lugar onde antes não tinha carocinho; num lugar onde nenhum carocinho deveria estar. Ele estava ali não importa o quanto eu esfregasse ou o quanto a água quente caísse, ele estava ali e era bastante claro. A vida não passou diante dos meus olhos como num filme, graças a deus. Minha vida é um saco.

Sou do tipo de pessoa que estranha até espinha que nasce em lugares inusitados, fico preocupado com qualquer dor de cabeça mais persistente, no outro dia de manhã marquei um médico.

Dr. Doolittle apalpou, sentiu, apertou, e então fez aquela cara que você faz quando o seu computador está agindo de forma inesperada e você não sabe como corrigir. “Dimitri, eu não posso te dizer nada agora, acho melhor você examinar isso num especialista”. Essas palavras me soaram bastante negativas e eu precisei de um cigarro. Se é pra ser que seja de vez, que seja logo, que se resolva de vez.

Sempre tem alguém pra te passar um bilhetinho dizendo que Jesus te ama nessas horas de desespero. Eles nunca passam quando tu tá de boa, mas assim que tu acha uma porra de um caroço eles aparecem com aquele sorrisinho condescendente, aquele olhar de quem olha um cachorro faminto e te entregam a porra do folhetinho escrito “Jesus é o único caminho”. Poderia ser. Poderia ser que ele estivesse certo. Não sei rezar, não sou nem batizado, papai é hippie e não quis impor. Deveria rezar? Será que ele me escutaria? Não tem burocracia?

Deus? Você está ai? Se estiver me mande um sinal. Não gostaria de ser feito de besta, sabe? Eu tenho um caroço estranho e eu morro de medo de caroços estranhos, então me ajude que não seja nada e tal. Seria massa, eu só tenho 25 anos e...

Estava soando hipócrita e hipocondríaco. Eu não acredito em nada dessas merdas. Comprei um maço de Marlboro. Só paro depois do diagnóstico, ainda tenho muito o que pensar e cigarro ajuda, nem que seja a morrer mais rápido. Eu sempre pensei na morte, mas, presumi que seria atropelado por um ônibus num dia ensolarado de outubro, coisa bem poética e as pessoas diriam “tão novo” mas 25 anos é realmente muito novo. E então você percebe que o pior disso tudo é não ter ninguém para falar sobre o assunto. É não poder chorar no ombro de alguém que achou um caroço. É não ter ninguém que te diga que vai ficar tudo bem e que vai te pagar uma cerveja.

No escritório marcaram um happy hour. Não fui. Tinha caroço demais na minha cabeça, não conseguia relaxar, não produzi, achei que o chefe notou. Chorei no ônibus de volta pra casa ouvindo aquela da Regina Spektor que diz que ninguém ri quando o médico liga depois de um exame de rotina. Pensei em abraçar a pessoa do meu lado e chorar e contar tudo. Era uma senhorinha cheia de sacolas de compras. Ela tinha comprado arroz, feijão, cheiro verde, tomate e cebola. Fiquei feliz. O tomate tá caro pra caralho, foi bom que ela comprou. Fiquei imaginando se o feijão dela era bom e decidi não estragar o dia dela com o meu caroço, visto que qualquer pessoa que comprou tomates neste preço teve um dia bastante bom.

Peguei meu celular e digitei uma mensagem pra tu. Dizendo “Me perdoa, eu te amo. Eu nunca te esqueci, eu te quero de volta, minha vida não faz sentido sem você. Me perdoa que eu sou um bosta! Um bosta! Tu foi a melhor coisa que eu tive na vida e eu tenho um caroço onde ninguém deveria ter um caroço! Eu não quero passar por isso sozinho e eu preciso da tua força comigo! Eu preciso que tu diga que vai ficar tudo bem como tu sempre dizia. Ninguém gosta de mim, só tu que gostou. Me ame de novo pq eu nunca deixei de te amar”. Sacudi o celular e não enviei com vergonha.

Não dormi por uns três dias aguardando a ligação do caroçologista. Ele me disse para não me preocupar, e eu falei “senhor, não sou uma fruta para ter caroços aparecendo em mim assim do nada” Ele riu depois me olhou com pena. Comprei mais um maço.

Me ligaram depois e eu fui lá saber. E nào era porra nenhuma. Eu não entendi o que era, eu só entendi que não era maligno que eu não tinha com o que me preocupar e que marcasse de fazer uma punção para retirar o caroço, mas eu nem liguei.

Só que então eu cheguei atrasado no trabalho com um sorrisão e não tinha ninguém que eu pudesse abraçar e dar pulinhos de bicha e dizer “caralho! Não era nada! Nada!” Ninguém.

Olhei para o celular de novo. Olhei teu número. Enviar mensagem. Não enviei.

Olhei todas as pessoas das redes sociais. Não ousei botar nada sobre o caroço por lá Não queria colocar “estou morrendo” e de repente alguém curtir. Ou pior: Alguém virar Dj e depois curtir já com o nome de Dj, quando eu sei que essa pessoa não sabe nem escrever. Eu não agüentaria. Por deus, seria pior que o caroço.

Então chorei de novo no ônibus. Chorei pelo caroço que havia sido uma grande companhia para mim nos últimos dias, mas que depois de terça feira morreria. Sumiria da minha vida assim como todas as pessoas que tem vergonha de mim. Assim como todas as pessoas que eu me afastei por não ter mais saco. Assim como todas as pessoas que agora só falam com você porque são Djs e são famosos e te chamam para as festas, mas nunca estão presentes quando tu tem um caroço estranho onde ninguém deveria ter um caroço.

Cocei o carocinho e disse “Meu amigo, a solidão é um caroço estranho, que ninguém deveria ter”.

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