Thursday, October 15, 2009

Blackbird black.

Certo dia [eu adoro dizer “certo dia”] um passaro preto entrou em minha casa através do meu jardim de inverno. Eu já contei que eu tenho um jardim de inverno? Pois é, eu tenho um e também tenho uma poltrona reclinável, então eu estava assistindo TV reclinado em minha poltrona comendo um miojo só de cueca quando o passaro entrou pelo meu jardim de inverno.

Ele carregava duas malas que pareciam muito pesadas para suas asinhas, coitado. Ele também usava um elegante chapéu e um monóculo, uma gravata e um colarinho, nenhuma camisa, só o colarinho e a gravata mesmo.

Ofereci ajuda, ele me passou as malas, parecia bastante cansado.
- Muito obrigado meu jovem – ele disse, ainda ofegante.
- Por nada, em que posso ser útil? – Perguntei.

Ele me disse que precisava de um lugar para ficar por uns dias, precisava ir para o sul do país, mas estava cansado demais e quando viu a abertura do meu jardim de inverno resolveu entrar. – Será que eu poderia ficar? Prometo que você nem vai perceber que estou aqui – ele me disse. Resolvi aceitar, ele era pequeno e comia alpiste; eu tinha umas barrinhas de cereais e erva mate pra nós dois, então não seria incomodo algum.

Levei – o até o quarto onde ele colocou suas malinhas num cantinho, tirou o chapéu e o colarinho-gravata e disse:
- Onde posso desncansar um pouco?
Mostrei a ele um lugar, ali ele se aninhou e fechou os olhos. Pobre passaro. Devia estar mesmo muito cansado.

No outro dia acordei e fui até a cozinha, encontrei o passaro fritando ovos.
- Ei! – Gritei – Você pode comer ovos? Isso não é... Não é... Canibalismo?
- Não são pra mim, são pra você estúpido! Estou preparando um café da manhã em agradecimento; e além do mais, se não são meus filhos eu não dou a mínima.
- O senhor tem filhos, Senhor...
- Sr. Black. Mas pode me chamar de BlackBird.
- O seu nome é Blackbird Black?
- Blackbird Black III.
- Uau!

Blackbird me fez um café da manhã excelente com ovos não canibais, torradas, café preto bem bom e bacon que eu não sei onde ele arrumou porque aqui em casa não tem bacon. Esfarelei uma barrinha de cereais e coloquei água num potinho e ele ficou bastante contente.
- Na próxima vida quero ser um passaro – Falei a ele
- Na próxima vida quero ser um humano – ele respondeu.

Ao voltar do trabalho no finzinho da tarde, Black estava sentado fumando um cigarro encostado no murinho do meu jardim de inverno.
- Desculpe, te incomoda? – Ele me perguntou
- De jeito nenhum, me dê um.

Acendi o meu cigarro e ficamos olhando o céu cor de rosa pelas frestas do meu jardim de inverno.
- Por que você está indo para o sul? – Perguntei
- Estou fugindo, garoto.
- Do quê?
- Acho que de mim mesmo – ele falou isso olhando para o nada. Foi tão bonito.
Depois ele me explicou tudo.

Me contou que passou a vida toda fazendo tudo aquilo que esperavam que ele fizesse. Um dia ele me contou que queria migrar para o sul. A mulher dele, A Srª Black, disse “não seja burro! Nós migramos para o norte! É assim todo ano e é isso que você vai fazer”.
Cansado e irritado com aquela situação, quando toda sua família voou para o norte, ele desviou o caminho e estava agora indo para o sul. Sozinho.

- O que você pretende fazer por lá? – Perguntei, meus olhos cheios de lágrima
- Beber eu acho.

Dois minutos depois voltei só de cuecas com uma garrafa de vodka na mão.

Bebemos a noite toda e acordei com Black dormindo no meu peito. Ajeitei ele ali e dormi de novo.

No dia seguinte. Cheguei em casa e ele estava preparando um almoço. Frango com molho de laranja.
- Ei! – Gritei – Frango? Ok, isso já está me assustando!
- É pra você garoto! Relaxa!
- Mas... Você não se incomoda nem um pouco de estar grelhando um... “parente distante”? – Perguntei preocupado.
- Olha, eu não chamaria uma galinha de parente. Elas nem voam!
- Uau! Isso parece um pouco... Racista.
- E você acha que só vocês humanos é que tem preconceito? Ainda bem que não me ouviu falar sobre pombos!

Depois ele me contou que pombos não tem uma fama muito boa no mundo dos pássaros. Também, não tem no mundo dos humanos.

E assim ele foi ficando. E todos os dias nós bebíamos e fumávamos e dormíamos juntos. Tocávamos violão e trocavamos histórias. Ficávamos chapados e eu ia dormir.
Ele me contou a vida dele e eu contei a minha.
Decidimos que na próxima vida eu seria um passaro e ele um homem.
- Espero usar mais roupas do que você. – Ele disse.

Um dia ele teve que ir.

- Eu volto – Ele me prometeu. – Você salvou a minha vida, mas agora tenho que salvá-la eu mesmo.

E assim ele foi pro sul.
Eu eu continuei comendo miojo só de cueca e ficando chapado, e contando histórias pra mim mesmo...

Às vezes dormia com alguém, mas nunca era a mesma coisa. Um vazio no peito, nada no meu peito. Uma mão gelada em cima do meu ombro.

Lembrei do Sr. Black dormindo ali em cima e de como eu me sentia bem. Foi ai que eu percebi que ele estaria sempre comigo. Sempre que eu quisesse. E um dia, podem contar com isso, um dia, eu também vou migrar pro sul.

14 comments:

Antonio de Castro said...

qd eu vi o colarinho--gravata no passsaro pensei q ia ser outra história abstrata-cínica-engraçada-reflexiva q vc escreve e eu adoro

mas no fim, me pareceu uma historia d amor

acho q td mundo uma hora se sente com o peito vazio... eu tb quero migrar p sul!

xx

Caco said...

Bem legal a história. Bonita e engraçada. É cômico imaginar você de cueca, comendo miojo, numa poltrona reclinável.

M. said...

Poxa, que linda a história.

Voltando a ler seu blog =)

Beijão.

descolonizado said...

não sei o que comentar. "não comente nada", alguém diria.
é, eu acho que é isso, vou ser clichê, vou dizer que adorei, como alguns fizeram e vários vão fazer.

: )

Marcel Hartmann said...

Gostei do conto, tu tem umas ideias muito boas.

≈ João Pé-de-Feijão ≈ said...

=O

Metáforas...são tão persuasivas e traidoras.

=D

Eraldo Fontiny said...

Eu fico tão feliz em saber que existem pessoas como e me fazem acreditar na beleza da delicadeza!!!
beijão Brunoooo!!!
te adoro viu!!!

Eraldo

Zephyr said...

POXA
queria mto cruzar com Mr Blackbird Black
ia ser um prazer enorme conhece-lo

:D

um cara legal... said...

good...
me identifiquei com o pássaro...
uma vez, quando eu era gurizinho, compus uma canção que falava algo assim: os pássarons, as pássarash, se os pássaros são bonitos as pásharass tmb...
muy nice...
:::)

Râzi said...

Eu sempre me assusto quando leio algo seu... vc tem um jeito pra escrever que me envolve!

Beijão!

Bárbara said...

o que está por trás de tudo isso??Não sei...
Por isso gostei.

D.J. Dicks said...

sempre bom teu texzto

Arsênico said...

atoron imaginação fértil... amei a estória... linda... com certeza é um reflekção sobre sua vida néah?...

Parábolas são fantásticas...

***

umBeijo!

Zek said...

muito legal o conto, gostei ....