Tuesday, August 29, 2006

O Ex


* Baseado neste desenho do Herbie.

Ele era o ex dela. Sempre foi, e depois ficou com esse estigma pra sempre. É muito ruim quando você vira o “ex” de alguma pessoa, só porque de alguma forma você é menos [popular] que essa outra pessoa. Mas ele sempre foi o ex dela e ele sempre foi mais popular do que ela.
Ele sempre foi o ex, porque ele era um Executivo chamado Alex, e só ela achava a coisa mais interessante do mundo que as duas ultimas letras do nome dele fossem as duas primeiras letras do cargo que ele ocupava. “Alexecutivo”. Era assim que ela o chamava em cartas, e-mails e cartões que no começo foram poucos.
Ela tinha uma doença. Não era uma doença, a não ser nos olhos da sociedade. Ela era excêntrica [que também começava com “ex”]. Muito excêntrica. Tirava fotos estranhas, tinha cadeiras penduradas na parede, combinava “roxo de bolinhas”, “com amarelo de florzinhas” e “bege de estrelinhas” numa peça só! A outra peça [e eram várias] também era esse mix de formas e cores e necessidade de atenção. E sempre usava chapéu! Sempre! Não importa qual fosse o tempo, ela sempre tinha um chapéu! Tinha vários no armário [que se chamava Mário, ela amava dar nome aos abjetos que possuía].
Talvez por isso nunca tivesse tido um namorado antes. Talvez por isso ficou tão nervosa com aquele bilhetinho no bar, pensou que era mais alguém pedindo uma musica, mas não; era um convite pra sair. “Amanhã nesse mesmo bar as 20:00, Alex” [ainda não era Alexecutivo]. Não acreditou que era verdade, mas Roberta [sua gata de estimação] a forçou a ir pra esse encontro [ao menos foi assim que ela interpretou o olhar que a gata lhe lançou quando soube do convite].
No outro dia as 20:00 ela foi e conheceu Alex, que era executivo e era dois anos mais novo do que ela mas e daí? E era gordinho, mas quem era ela pra colocar defeito no primeiro homem que aparecia na vida dela [que não era tão curta naquele momento].
Logo no primeiro encontro ela notou que as duas ultimas letras de Alex eram as duas primeiras de executivo. Ela riu. Ele fingiu achar graça.
Seu nome era Alex e ele era executivo Junior de uma empresa. Odiava ser executivo “Junior”. Por que “Junior”? Porquê não “Executivo que ainda não fez o suficiente pra chegar lá”? Ou “Executivo Quase”? Odiava “Junior”. Dava um ar infantil a profissão que era sua paixão [rimou, mas foi acidente]. Era gordinho porque só trabalhava e trabalhava, e quanto mais trabalhava mais comia e não tinha tempo pra academia, nem saco pra regime, nem vontade pra caminhar na praia. Nunca havia percebido que as duas ultimas letras de Alex eram as duas primeiras de executivo. Não estava nem ai pra isso até o dia que a ouviu cantando. E como era linda... A Voz... Ela não era tão linda, mas ele acreditava que como ele não era tão lindo, ele não podia dar em cima das “tão lindas”. Ele não tinha esperança, e nem confiança.
Ela era a primeira mulher que se interessou nele antes de ver o seu extrato bancário. Ela nunca nem chegou a ver.
Depois de três encontros em que eles racharam a conta, eles estavam apaixonados.
Depois de 7 meses eles iam se casar. Tinham que se casar. Ele queria, ela precisava, eles concordaram e já estavam andando nessa direção. Mas nunca haviam feito sexo. Mesmo com a insistência dele, eles nunca chegaram lá. A coisa pegava fogo entre os dois, mas ela nunca o deixava toca-la da cintura para baixo, e ele não sabia o por quê.
Ela se dizia religiosa, ele era ateu, mas eles iam casar. E casaram.
Foi lindo, mas ai chegou o dia. Ela o olhou nos olhos e disse que tinha um segredo para contar, e que precisava que ele tivesse toda a calma do mundo. Parecia muito sério.
Ela contou que não tinha uma das pernas. Ela tinha uma prótese no lugar. Havia perdido num acidente quando criança. Algo que envolvia o carro de um tio, ou coisa assim. Ele estava atônito demais para entender qualquer coisa. Agora ele não a enxergava mais como antes. Ele só sabia que ela não tinha uma das pernas.
Ele disse que não ligava. Ela chorou de felicidade, eles finalmente fizeram sexo, ambos fingiram ter gostado daquilo e no outro dia ele fugiu. Foi embora sem dizer nada e ela chorou, quis se matar, disse que a vida não fazia sentido, mas a gata a impediu de fazer qualquer besteira.
Ele nunca se arrependera tanto de alguma coisa na vida inteira! Apesar de não ter uma das pernas ela era uma mulher completa! Conheceu poucas mulheres depois daquilo. Transou com várias depois daquilo. Mas nenhuma era tão boa quanto a sua “Gringa”. Era assim que ele a chamava devido a sua brancura excessiva [outra com “ex”]. Não tinha coragem de tentar uma reaproximação. Era vergonhoso demais. Ainda mais agora que ela era famosa.
Ela havia escrito uma canção pra ele. Havia aprendido depois do 3º mês de terapia que ela devia colocar as magoas pra fora. E foi o que ela fez. Hoje ela era famosa, e o fato de não ter uma das pernas só aumentava a empatia do publico com ela.
Ele estava desesperado. Havia perdido todos os quilos e mais um pouco. Estava agora magro demais, feio demais, barbudo demais, fedido demais.... Um dia leu uma entrevista que a Gringuinha dele deu num jornal. Ela disse que nunca deixou de amá-lo. Era a chance dele! Ele também nunca havia deixado de amá-la. Mas o que ele tinha feito não tinha perdão. Depois de sete dias ele pensou numa forma de se redimir.
Foi a um show e mandou um bilhete para ela. Não havia sido fácil, mas ele ainda tinha algum dinheiro. “Amanhã as 20:00 naquele mesmo restaurante, Alexecutivo”. Era ele! Só podia ser ele!
No outro dia as 20:00 ela apareceu naquele mesmo bar e sentou na mesma mesa em que os dois haviam se conhecido e esperou ansiosamente. Alguns minutos [que pareceram horas] depois, apareceu em sua frente um homem que lembrava ele. Só lembrava. Era magro de mais pra ser ele, não podia ser. Era barbudo demais, e havia usado perfume demais, e... Não tinha uma das pernas... Tinha um ramalhete de flores na mão, olhou pra ela, sorriu e disse “Gringuinha”! Era ele! Só ele sabia desse apelido ridículo. E os olhos eram dele e os olhos dele eram únicos e inconfundíveis! Só podia ser ele.
Ele se sentou com dificuldade e contou que ainda a amava, que devia ter pensado melhor, que se arrependia muito do que fez e que não conseguia viver sem ela. Contou que havia arrancado a própria perna para se redimir do que fizera, ela estava um pouco bêbada e isso de certa forma a comoveu.
Eles fizeram amor mais uma vez. Ele gozou, ela fingiu. Fizeram juras de amor, iam voltar!
No outro dia ela fugiu! Fugiu sem dizer nada.
Ela havia conversado com Roberta a gata, e ambas decidiram que essa história de arrancar a própria perna tinha ido um pouco longe demais.
Ele estava sozinho nesse mundo, e acabou sozinho nesse mundo, porque agora ele era um homem magro demais, barbudo demais, fedido demais, sem uma das pernas e com muita depressão e culpa. Acabou se matando.
E ela? Ela podia ter qualquer homem que ela quisesse. Bastava apenas mostrar o seu extrato bancário que ela levava qualquer um pra cama.

No comments: